São inúmeros os tipos e marcas de sapatilhas de corrida de estrada disponíveis no mercado, mas será que todas elas são permitidas nas competições oficiais de atletismo?

A resposta é não. A World Athletics (WA) tem um Manual Técnico que estipula as regras fundamentais pelas quais se rege o Atletismo na sua globalidade. Esse mesmo documento vai sofrendo várias alterações ao longo do tempo, na tentativa de acompanhar e de se ajustar às evoluções tecnológicas que vão acontecendo em todo o mundo.

Em dezembro de 2020, após a polémica das sapatilhas com placas de fibra de carbono, começaram a surgir diretrizes mais objetivas no regulamento e foi publicada a primeira lista de conformidade para sapatilhas de competição. As regras continuam a perdurar até hoje (a mais recente versão do documento entrou em vigor em janeiro de 2022) e a lista das sapatilhas é atualizada todos os meses e pode ser consultada no site oficial do World Athletics (aqui).

O QUE PRECISA SABER...

Um dos grandes pontos de interesse deste conjunto de medidas que visa proteger a integridade do desporto passa pela proibição da utilização de protótipos em provas organizadas pela World Athletics. Assim desde 30 de abril de 2020 que passou a estar estipulado no regulamento que todos os modelos que sejam utilizados em prova têm de estar no mercado há pelo quatro meses. Caso o seu lançamento seja feito num espaço prévio mais curto ou se nem sequer estiver à venda, a sua utilização está proibida.

Mas as regras estendem-se também à própria construção da sapatilha. A meia-sola não pode ter mais do que 40 mm no que toca às sapatilhas de estrada, sendo que apenas poderá contar com uma placa (de fibra de carbono ou de outro material) no seu interior. No que às sapatilhas de pista diz respeito, a meia-sola pode ter 20 mm em provas até 800 metros e 25 mm em provas acima dos 800 metros. No caso do trail ou da corrida de montanha, qualquer espessura é permitida. Estas regras estão em vigor até outubro de 2024 (consulte aqui).

Com esta atualização do regulamento, os juízes passaram a ter o poder de pedir aos atletas para fornecerem as sapatilhas utilizadas em prova para inspeção - antes, durante ou após a competição - , isto caso haja suspeitas de que o modelo não obedece às regras.

Todas estas novas normas, originaram que alguns modelos de várias marcas de sapatilhas fossem proibidas de serem utilizadas pelos atletas nas competições oficiais de atletismo. No que toca às provas de estrada abertas, ou seja, aquelas que não constam registadas na World Athletics, os atletas de elite têm de respeitar as regras estabelecidas, no entanto os atletas amadores podem usar qualquer tipo de sapatilha.

Em suma, qualquer atleta que participe em competições oficiais de atletismo deve ter em atenção o tipo de calçado que escolhe para as provas, pois nem todos preenchem os requisitos impostos pelo Regulamento. Regra essa que também se aplica aos fabricantes de calçado, que caso queiram produzir uma sapatilha destinada às competições, terão de enviar um formulário com as especificações da mesma para posterior aprovação e possível colocação na lista das sapatilhas permitidas pela World Athletics.

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De modo a complementar este artigo, pedimos à juíza de atletismo internacional, Elisabete Simão (que ja colaborou connosco num artigo sobre este mesmo tema na Pro Runners Magazine #2), que nos explicasse até que ponto todas estas regras do uso das sapatilhas são importantes para o bom funcionamento do atletismo nas suas mais variadas vertentes:

“O Atletismo tem, há largas décadas, regras que regulamentam a utilização de sapatilhas nas suas diferentes disciplinas. No entanto, principalmente na última década, assistiu-se a uma evolução muito significativa da tecnologia aplicada ao calçado desportivo, principalmente quando falamos das grandes marcas do setor. Tornou-se, por isso, imperativo criar regulamentação mais específica e fundamentada que garantisse dois dos princípios bases deste desporto: a igualdade e a universalidade. A criação e implementação destas regras particulares, seguindo aquele que é o espírito do Regulamento Internacional, promove a igualdade através da padronização dos sapatos específicos a utilizar pelos atletas e, ao mesmo tempo, contribui para que o acesso a este material esteja ao alcance de todos, com a obrigatoriedade da venda livre. A essência fundamental da regra é a de não criar uma vantagem adicional a um atleta, ou a um grupo de atletas, relativamente a outro atleta ou grupo de atletas, através do acesso privilegiado a material desportivo. Posto isto, julgo que implementação desta regulamentação foi um passo importante no sentido do respeito pelos princípios éticos do desporto, como sejam a justiça, a honestidade e a verdade desportiva”, considerou.

Mas será que todos os atletas estão a par destas regras e que este é um tema suficientemente abordado e divulgado? Elisabete Simão refere que “ a consciencialização e o conhecimento das regras, não só no que diz respeito à regulamentação particular a que nos referimos, mas às regras da modalidade em geral, difere e depende de vários fatores, sendo um deles o nível de competição dos próprios atletas e outros agentes desportivos, como sejam os treinadores e dirigentes. Em termos gerais, os atletas que praticam desporto de Alto Rendimento têm um nível de consciencialização mais elevado relativamente aos regulamentos aplicáveis e são, também, orientados por equipas de treinadores e dirigentes que estão mais despertos e atentos aos aspetos regulamentares. Por contraponto, os atletas amadores podem não estar tão familiarizados com regulamentação específica, principalmente se forem iniciantes na modalidade.
É preciso compreender que as regras da modalidade estão em permanente mudança e adequação, e só com um programa cabal de divulgação e educação, levado a cabo pela Federação e pelas Associações Regionais, com os meios de comunicação desportivos a terem aqui, também, um papel de suma importância, será possível a divulgação massiva dos regulamentos vigentes.  Em todo o caso, é incontornável que os atletas, independentemente do seu nível competitivo, procurem conhecer os regulamentos da modalidade seja através da leitura do regulamento, seja através de seminários e palestras que vão sendo efetuadas pontualmente, seja questionando os oficiais de competições com os quais se cruzam ou pela leitura de matérias específicas, como esta, nos meios de comunicação social.”

Lista das sapatilhas permitidas em competições oficiais AQUI.

Autores
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Márcia Dores