Leia a entrevista à Pro Runners Magazine de Mário Morais de Almeida, Presidente da Associação Portuguesa de Asmáticos e saiba mais sobre esta doença crónica.
PRO RUNNERS - A asma não é impeditiva da prática de exercício físico moderado. Mas quando sabemos que maratonistas como a Rosa Mota tinham esta doença crónica, leva-nos a pensar se qualquer pessoa com asma pode pensar em treinar para corridas mais, longas como meia maratona ou maratona, ou até mesmo fazer provas exigentes como trail (com percursos em altura), triatlo (ciclismo, natação e corrida) sem colocarem em risco a sua saúde?
MÁRIO MORAIS DE ALMEIDA - Tal como é salientado na sua introdução, um(a) asmático(a) pode ser um campeão. Seja nas suas corridas diárias ou mesmo nas Olimpíadas. A “nossa” Rosa Mota elevou-se a ela na maior celebração que um maratonista pode alcançar. Naquele momento, levou-nos a todos com ela. E a sua asma estava presente. Nas suas vias aéreas. Tal como está em muitos de nós. Em quase 1 milhão de portugueses.
E no ciclismo... E na natação… tantos asmáticos que são campeões. Por isso, porque não praticar biatlo ou triatlo… E nas ruas, nas praias. Tantos asmáticos que celebram a sua vida praticando exercício físico, correndo com maior ou menor intensidade.
Qual o segredo? Vontade e capacidade de alcançar resultados e ter sempre a asma controlada. Saber viver com ela e como atuar para evitar as suas manifestações.
Quais os cuidados a ter para quem gosta/quer correr e tem esta doença?
No caso dos asmáticos, se a prática de corrida favorece o próprio controlo da doença, pelo melhor condicionamento físico que se obtém, nomeadamente muscular, pela prevenção da obesidade / excesso de peso, pela progressiva maior tolerância ao esforço, pela autoconfiança que possibilita, a prevenção da agudização da asma pelo próprio esforço deve ser algo prioritário.
Para tal, é fundamental conseguir o melhor controlo terapêutico da doença asmática e, particularmente, da inflamação brônquica crónica que lhe está subjacente. Uma terapêutica preventiva de controlo pode estar indicada e em algumas situações a prática de exercício deve ser precedida da inalação de fármacos broncodilatadores e também anti-inflamatórios. Mas tudo isto sob controlo médico.
Necessariamente, os programas de treino e as medidas de condicionamento das variáveis físicas associadas ao exercício, têm um papel fundamental na atenuação da resposta broncoconstritora ao exercício. Como referido deve dar-se preferência ao tipo de treino aeróbico e dinâmico, que permite melhorar o período de broncodilatação pós-exercício e controlar a hiperventilação. Poderão ser úteis, por exemplo, períodos de aquecimento constituídos por múltiplos sprints (duração de 30 segundos), com 2 minutos de intervalo, realizados 30 minutos antes de uma corrida prolongada, o que permitirá aproveitar o período refratário, isto é, uma fase em que após uma redução inicial da função respiratória as quedas da mesma praticamente não ocorrem. A mesma proteção poderá ser alcançada com a prática de um período de aquecimento contínuo de cerca de 15 minutos, mas em intensidade submáxima, de até 60% da capacidade aeróbica.
Provas em montanha ou com desníveis positivos podem ser “perigosas” para os asmáticos?
Desde que exista um adequado condicionamento físico e a doença esteja clinica e funcionalmente controlada, provas em montanha estão ao alcance dos asmáticos…
Pode o stress antes do início de uma prova desencadear um ataque de asma?
Sim! A asma é uma doença respiratória crónica, que se caracteriza por sintomas como a tosse, pieira/chiadeira (“gatinhos no peito”), falta de ar ou uma sensação de peso ou aperto no peito. São queixas que se repetem no tempo, com intervalos livres ou com poucos sintomas, mais ou menos longos, até surgir uma nova crise. A asma resulta da inflamação mantida das vias aéreas e manifesta-se por uma maior sensibilidade a estímulos diversos, nomeadamente infeções respiratórias, alergias, exercício físico, stress emocional, ar frio, fumos, poeiras ou cheiros intensos. Poderemos comparar a inflamação brônquica a um lume brando e silencioso que pode facilmente ficar fora de controlo, dando origem aos sintomas…
Para quem ainda não foi diagnosticado, que sintomas deve ter em atenção e que médico deve procurar?
Importa esclarecer e acabar com mitos e crenças: na maioria dos casos a asma não é difícil de diagnosticar, mesmo na criança; a asma não passa com a idade; os sintomas são a base do diagnóstico da asma; a asma pode afetar muito a qualidade de vida; a asma pode ser controlada; se bem utilizados, os tratamentos para a asma não são perigosos; os corticoides por via inalatória são seguros; os broncodilatadores não “fazem mal ao coração”; é muito perigoso deixar a asma controlar a nossa vida.
O diagnóstico, baseia-se sempre nos nossos sintomas e em alguns exames como é o caso das provas funcionais respiratórias; inicia-se então um programa de controlo assente em educação, evicção alergénica e alguns medicamentos, usados de uma maneira que se consiga a maior eficácia ao melhor custo. E, é claro, a medicação de crise tem de estar sempre presente.
O alergologista, o pneumologista e o seu médico de família, e muito outros profissionais de saúde, podem ajudar-nos a aprofundar o conhecimento sobre a “nossa asma” e como a podemos controlar.
Existe outra doença que é a asma induzida por exercício. É algo que qualquer pessoa pode ter ou apenas ou os asmáticas têm mais probabilidade?
A asma induzida pelo exercício está subjacente ao diagnóstico de asma. Ou seja, é uma caraterística que existe na maioria da população pediátrica, em todos os grupos etários, e que importa lembrar que pode ser controlada…
Quais as medicações para a asma? Para além da bomba, existem outras? Pode ser considerado doping?
A asma é uma doença inflamatória crónica e deve ser tratada como tal. Se compararmos a asma com um iceberg e entendermos que os sintomas são apenas a “ponta” do problema, rapidamente percebemos que a única forma de controlar a doença é tratar aquilo que está escondido, ou seja, a inflamação das vias aéreas. Tratar os sintomas com a medicação de alívio é fundamental, mas só resolve parte do problema. A origem do problema é a inflamação e é essa que precisamos combater diariamente com a medicação preventiva. Os tratamentos inalados (respirados) são a opção mais eficaz e segura. Os corticoides inalados constituem a principal ferramenta no combate à asma e devem ser iniciados o mais precocemente possível. Em casos mais complicados poderá ser necessário associar um broncodilatador de Acão prolongada para melhor controlar a doença. Os anti-leucotrienos, por via oral, são também uma opção a considerar, sobretudo em doentes que também sofram de rinite alérgica. As vacinas antialérgicas são outra arma muito interessante. Para saber mais sobre esse assunto, não deixe de falar com o seu alergologista.
Além da medicação diária, todos os asmáticos devem ter medicação de alívio para as crises. Os broncodilatadores de início rápido são uma ajuda essencial nestes momentos.
As medidas gerais mais importantes são sobretudo não estar exposto ao fumo de tabaco ou outros poluentes, evitar infeções respiratórias e reforçar as defesas do organismo com vacinas anti-infeciosas, como por exemplo a vacina contra a COVID-19 e contra a gripe e outras vacinas anti-infeciosas orais, e combater a obesidade através de uma alimentação equilibrada e diversificada e uma prática desportiva regular. Relativamente às alergias, existem algumas medidas úteis de controlo do meio ambiente, mas sempre ajustadas ao tipo de alergia identificado em cada caso (por exemplo, as medidas anti-ácaros do pó são muito diferentes dos cuidados a ter quando há alergia a pólenes).
A maioria dos fármacos disponíveis para o controlo da asma podem ser usados por todos os atletas, incluindo os de alta competição. Em algumas situações particulares, nomeadamente para participação em algumas competições nacionais ou internacionais, é necessário evidenciar objetivamente o diagnóstico através do recurso a provas funcionais de diagnóstico, notificando-se igualmente a medicação em curso.
Sabe-se de desportistas que mantiveram em segredo o facto de serem asmáticos. Ainda há um certo estigma associado a esta doença?
Sim! Ainda existe um estigma significativo de ter asma. Mas tem de deixar de existir. 10% da população tem asma, em todos os grupos etários. E felizmente são cada vez mais os asmáticos, atletas de alta competição, que dão o seu rosto por esta causa.
Durante alguns anos, a Associação Portuguesa de Asmáticos (APA), organizava o evento correr com asma, se não estou em erro, no Parque da Cidade do Porto. Fale-nos um pouco deste evento e se há alguma previsão de se voltar a realizar.
A pandemia alterou algumas das atividades regulares da APA. As corridas, nomeadamente em parceria com a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) ou com a Sociedade Portuguesa de Penumologia (SPP), entre outras instituições, foram e irão continuar a ser uma celebração que se quer levar muitas cidades do nosso país… do Porto a Lisboa, de Bragança a Faro… não esquecendo as regiões insulares.
Na sua opinião e de acordo com a sua experiência, um asmático pode praticar uma vida “normal” e praticar corrida?
No passado era comum pensar-se que uma pessoa com asma não deveria praticar desporto. É necessário desmistificar este conceito: o asmático, cumprindo um plano adequado de controlo da doença feito pela equipa de saúde, pode e deve participar em desportos ou outra atividade física, quer sejam aulas de educação física, corridas de lazer ou mesmo de alta competição.
Os cuidados a ter iniciam-se com o seguimento médico adequado, existindo atualmente medicamentos que conseguem controlar e prevenir as queixas desencadeadas pelo exercício físico.
Algumas outras medidas revelam-se benéficas no atenuar das queixas: efetuar exercícios de "aquecimento" prévios; adotar preferencialmente uma respiração nasal, permitindo maior aquecimento e humidificação do ar; evitar fazer exercício em ambientes frios e secos; evitar os irritantes, como o fumo do tabaco e outros poluentes.
As modalidades mais aconselhadas para os asmáticos, em qualquer grupo etário, serão aquelas que proporcionem exercícios do tipo aeróbio. Os desportos mais vulneráveis são as disciplinas de longa distância, sendo as corridas de atletismo de fundo classicamente consideradas entre as disciplinas de maior risco para asma induzida pelo exercício. Mas como começamos por lembrar … uma asmática pode ser uma campeã olímpica de maratona.
Como regra: se o asmático tem um desporto que de facto aprecia, a sua prática deverá ser encorajada, pois, desde que controlado, poderá fazer qualquer exercício ao mesmo nível do não asmático.
No entanto, se a escolha desportiva inicial colidir com a capacidade respiratória, deve-se encorajar a prática de desportos mais bem tolerados, proporcionando maior oportunidade de participação com sucesso.
Sempre que a asma não se encontre controlada (como pode ocorrer por exemplo após uma infeção respiratória ou se a medicação preventiva não está a ser cumprida,…), ou se surgirem sintomas significativos durante o treino, a prática de corrida pode ter de ser interrompida…
E é bom reforçar que mesmo durante uma fase em que a doença se encontre controlada, o asmático deve ter consigo a medicação de alívio sintomático, nomeadamente um broncodilatador para uso inalado.
É também fundamental que os treinadores / PTs / colegas conheçam a situação clínica do asmático.
Leia a repratagem sobre a asma, com o testemunho de 3 atletas asmáticos na Revista Pro Runners #07.
Compre a sua AQUI