Vamos falar do Gerês? É claro que o Running Couple já fez trails no Gerês! E tem vários na lista para fazer. Hoje vamos contar o que mais nos marcou...

Foram mais de 7 horas de um mix de emoções que passaram pela euforia, deslumbramento, medo, instinto de sobrevivência, luta e vitória triunfante!

Ainda não eram 7h00 quando estacionámos o carro no parque do Miradouro das Rocas. Fizemos aí mesmo os aquecimentos e corremos até à 1.ª paragem: Cascata do Arado. A esta hora tivemos o privilégio de a ter só para nós, um lugar maravilhoso envolto num silêncio só pontualmente interrompido pelo som de algum animal nas redondezas (muitas horas depois, percebemos como pode ficar diferente). 

cascata do arado 1

Figura 1 - Cascata do Arado

Estávamos a seguir um percurso na Wikiloc e o objetivo era ir até ao Poço Azul (5km) e voltar. No dia anterior tínhamos feito um trail algo exigente e este era o dia de "descanso".

O percurso até ao Poço Azul faz-se muito bem e cruza uma zona florestal lindíssima, onde todas as fontes estão sinalizadas com as placas próprias do Parque Nacional Peneda Gerês.

Figura 2 – Pormenor do Percurso na zona florestal

Figura 2- Pormenor do percurso na zona florestal

É maioritariamente em estradão o que nos permitiu correr uns bons 3 km. Nos últimos 2 km (as distâncias são aproximadas) temos um trilho muito técnico, estreito e irregular, em chão que deve ser de lama nos dias chuvosos.

 O 1º Poço Azul.

Figura 3 - o 1.º Poço Azul. Mais adiante, já a caminho da Rocalva,descobrimos o verdadeiro Poço Azul,
o qual por acaso tem predominantemente tons de verde.

Continuámos a seguir a Wikiloc e chegáramos ao "fim da trilha", ao Poço Azul. Parámos para umas fotos e estava na hora de regressar ou...e se subíssemos à Rocalva?

Um de nós tinha o percurso na Wikiloc em plano B, só no caso de nos apetecer.

Em vez de 10 seriam 12 km (acabaram por ser mais de 16 km) e, altimetricamente, em vez de D+300 passaria para D+700 (foram mais de 800), havendo a vantagem de ser circular. Decidimos subir à Rocalva.

Um aparte para referir que esta é uma zona do Gerês onde se fazem mais resgates de caminhantes que se desorientam e são apanhados desprevenidos pelo nevoeiro ou a queda da noite. Mas nós tínhamos o GPS, estava um lindo dia de sol e a noite ainda vinha muito longe!

Ainda bem que o decidimos porque, de outra forma, não tínhamos encontrado o verdadeiro Poço Azul! 

Afinal, o primeiro era apenas uma lagoa que aqueles que gravaram a trilha que seguíamos confundiram com o real que até é verde e não azul! Foi a primeira grande e incrível surpresa.

verdadeiro poço azul

Figura 4 - No verdadeiro Poço Azul, a decidir o que faríamos a seguir: voltar para trás ou subir à Rocalva?

Depois do Poço Azul, foi sempre a subir. Atravessar o rio Conho não sei quantas vezes, os pés dentro de água e muito cuidado para não escorregar. A certa altura, perdemos o trilho. Fomos literalmente a corta-mato (e estávamos de calções, não tão prevenidos como imaginámos). Tanto arranhão! O piso bastante irregular - pés enfiados em poças de água, muitas ocultas pela vegetação - obrigou-nos a progredir sempre em power hiking que correr era impossível (e o "power" é quase uma cedência).

Nunca mais chegávamos ao Vidoeirinho (ponto mais alto) mas quando isso aconteceu...estávamos num dos sítios mais bonitos onde já alguma vez estivemos. Abriu-se um planalto onde pudemos finalmente correr um bocadinho: estávamos no Curral da Rocalva, um lugar paradisíaco.

figura 5

Figura 5 - Prado da Rocalva, também conhecido por curral da Rocalva, aparente ser um antigo vale glaciar

Continuaram os trilhos lindos e difíceis, as mariolas apontavam para vários percursos o que não nos valeu de muito.

figura 6

Figura 6 - Rocalva (Gerês) inóspitas montanhas de granito moldadas pelos tempos, onde abundam ribeiros de água cristalina e onde o ar puro e o silêncio nos envolvem por completo.

Dependência total do telemóvel e da Wikiloc que...consome bateria aceleradamente. O receio de ficar sem carga antes de chegar ao fim começou demasiado cedo (depois deste trail, o powerbank passou a fazer parte do kit obrigatório).

figura 7

Figura 7 - Uma das mais belas paisagens graníticas do parque do Gerês: a Rocalva intimida-nos

O percurso que seguíamos era brutal, totalmente desaconselhado a quem tem vertigens e outros medos (passamos por pontos onde praticamente cruzamos a fronteira da prudência mas a ideia de voltar para trás era inaceitável).

figura 8

Figura 8 - Bem no centro da Serra do Gerês, a geoforma granítica da Rocalva é do tipo Meda

Um dos riscos que corríamos era o de ficar sem água (o dia era de sol e já com temperatura muito amena). Nessas ocasiões, liga-se o modo sobrevivência e enchemos as garrafinhas em pequenas fontes/poças de água com "bom ar". H2O é H2O.

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Figura 9 - No topo encontramos muitos cursos de água corrente e límpida.
Já sem água, arriscámos e fizemos o nosso abastecimento.

Umas horas depois, percebemos onde íamos terminar o trilho e foi mais um momento único: surgimos no topo da Cascata do Arado onde mais de 7 horas antes tínhamos começado, mas lá em baixo.

A esta hora (14h30) estava cheia de gente que olhou para nós como se fôssemos… D. Sebastião a surgir do nevoeiro? Em jeito de confissão, foi impossível conter alguma vaidade neste momento vitorioso, ainda ouvimos cá em baixo "eram estes que vinham a descer do alto da cascata".

Ainda hoje este trail está no nosso top 5 e quem o quiser fazer está na altura de o planear, para ainda ser feito com a serra florida (fomos nos últimos dias de maio). Podemos fornecer o track do GPS que ficou na wikiloc.

figura 10

Figura 10 - Vale a pena disfrutar um dia na Rocalva, área de proteção parcial do tipo I, englobando espaços que contêm valores naturais significativos e de grande sensibilidade ecológica em termos de flora, fauna, geomorfologia e paisagem.

         "Rocalva (Gerês)"

Tabela trail

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Veja também:

- Drave, a Aldeia Mágica

Ruta del Cares, Picos da Europa

Rota da Levada, Serra da Lousã

Trail "O Caminho onde o Morto Matou o Vivo"

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The Running Couple