O "The Running Couple" aproveitou quatro dias de férias para subir ao Pico Morézon e agora contam-nos tudo sobre a sua experiência...
A Serra de Gredos fica na província de Ávila, em Espanha. Faz parte da chamada meseta ibérica ou maciço central da Península Ibérica e dista apenas 500 Km de Lisboa, pouco mais de 5h de viagem.
Aproveitámos quatro dias de férias para realizar algo que já estava na nossa lista há algum tempo: subir o Pico do Almançor (em castelhano: Pico Almanzor), cume de maior altitude dos que coroam o chamado Circo de Gredos, no topo da Serra do mesmo nome, com 2 592 m de altitude, o que faz dele o pico mais alto do Sistema Central e do centro da Espanha. É mesmo o terceiro mais alto da Península Ibérica, excluindo os que ficam nos Pirinéus e na Serra Nevada, onde se encontra o mais alto de todos, e que também está na nossa lista, o pico Mulhacén, a 3 481m.
Instalados na povoação de Hoyos del Espino, foi este o nosso programa do primeiro dia. No entanto, sendo a ProRunners uma revista para corredores, optamos por partilhar antes a subida do segundo pico mais alto do Circo de Gredos – o pico Morézon – já que nesse percurso a proporção running/hiking foi muito superior (o caminho que leva ao Almançor é extraordinariamente “agreste” para corrida).
Figura 1 - O Circo de Gredos é o maior circo glaciar da Serra de Gredos e de todo o Sistema Central e percente à bacia hidrográfica do Rio Tormes, um afluente do Douro. Com cerca de 33 hectáres de superfície, tem a leste o pico de Almanzor, o mais alto da cordilheira e a nordeste, na sua área mais baixa, a grande lagoa de Gredos, de origem glacial situada a uma altitude de 1940 metros.
Como é habitual, iniciamos o percurso ao nascer do sol, com o carro já estacionado no melhor lugar da Plataforma de Gredos! Tínhamos lido que este parque, apesar dos seus mais de 100 lugares, costuma encher no verão. Nos dias em que fomos, havia alguns carros estacionados pela manhã, certamente de pessoas que passaram a noite no Refúgio de La Laguna Grande (é aconselhável fazer a subida do pico Almançor em duas etapas de dois dias, iniciando a parte mais dura e íngreme já a partir do Refúgio, logo pela manhã).
Figura 2 - Quando o nível da água da lagoa (La Laguna Grande) está elevado, para a cirdundar o caminho faz-se pela rocha, com a ajuda de cordas.
Voltemos à aventura do dia: o pico Morézon. Os primeiros 3km são feitos numa calçada romana, já entrando pela Serra dentro, pelo verde e amarelo da sua vegetação, a imensidão e os seus sons característicos (comunidades de pássaros vivem nos arbustos rasteiros emitindo sons agudos que mais parecem uma forma de comunicação eletrónica extraterrestre!) e cresce a sensação de estarmos a entrar num mundo diferente. Percursos de água surgem pontualmente, tendo encontrado duas fontes pelo caminho. Ao chegar ao ponto mais alto da calçada, apresenta-se aos nossos olhos numa visão fantástica, o imponente e luminoso Circo de Gredos.
Figura 3 - Percurso na calçada romana, com o pico Morézon (em frente) e o pico Almançor (à direita). O nome deste último provém de Al-Mansur, que em árabe significa "o vitorioso", líder militar e religioso durante o Califado de Córdova.
É nesse ponto que deixamos a calçada (que faz parte da Ruta de La Laguna Grande, que leva à lagoa, ao Refúgio com o mesmo nome e depois, quem quiser, à escalada até ao Pico do Almançor). Os nossos pés agradeceram deixar o piso de pedra que tinha marcado por completo as 9h da aventura do dia anterior e passar para outro mais intervalado, alternando entre rocha solta e trilho de terra. Podíamos finalmente correr, com algumas interrupções, mas já era possível fazê-lo com frequência. Sentíamos também que estávamos a entrar num território mais intocado, inóspito e bem mais selvagem (a Ruta de La Laguna Grande, além da calçada romana que marca a presença do homem desde há séculos, tem alguma frequência de caminhantes).
E o percurso veio a revelar-se ainda mais inacreditável do que o do dia anterior. Pouco depois de termos deixado a calçada demos com uma família de cabras-monteses, o símbolo da Serra de Gredos ali, ao virar da curva, a gozar os primeiros raios de sol, parecendo que estavam ainda a despertar de uma noite bem dormida. Quase não se moveram pela nossa presença, e assim ali pudemos ficar, deliciados com aquela visão irreal.
Figura 4 - A cabra-montês ocidental ou cabra de Gredos, subespécie da cabra montês autóctone das várias serras do centro da Península Ibérica, é um dos símbolos deste habitat.
No resto do percurso, seriam constantes estes encontros e esta tolerância da nossa presença. Parecia até que estávamos a ser vigiados, havia sempre alguma cabra escondida atrás de uma rocha! Só pela proximidade destes animais, o percurso já teria valido a pena. Mas teve muito mais.
Figura 5 - No passado, a cabra-montesa encontrava-se a sul de França, Andorra, Espanha e Portugal. Atualmente encontra-se principalmente nas áreas Montanhosas de Espanha e do norte do país.
Figura 6 - A vizinha "cusca". Quem tiver sorte pode ainda encontrar veados, lobos ibéricos, perdizes vermelhas, águias douradas e até mesmo abutres.
Chegamos finalmente ao topo do Morézon, onde a vista é fenomenal e a sensação de conquista foi mais uma vez vivida com alguma emoção. Ali fizemos uma pausa para repor as energias, escolhendo as barras energéticas “mais saborosas”, para enriquecer a memória de uma esplanada tão invulgar e aonde, muito provavelmente, não voltaríamos.
Figura 7 - Do alto do Morezón tem-se uma das melhores vistas do Circo de Gredos, com o Refúgio e a Laguna Grande em primeiro plano e os picos mais emblemáticos do circo - como o Almanzor, La Galana e o Ameal de Pablo - por detrás.
Na descida, fomos dar a um prado para depois voltar a subir uma nova colina, para chegar a um ponto lindíssimo onde o rei tinha tido o seu refúgio, El Refúgio del Rey, construído em 1914, e atualmente em ruínas.
Continuamos a ter encontros com as cabras-monteses, observando-as nos picos rochosos, a saltar graciosamente entre rochedos ou simplesmente a descansar, parecendo também elas apreciar a vista deslumbrante para uma boa extensão da Estremadura espanhola, totalmente visível dos pontos mais altos.
Figura 8 - A cabra montês ou de Gredos destaca-se pelas suas capacidades autidivas e olfativas, casos amortecidos e capacidade invulgar de frequentar zonas inacessíveis.
O regresso faz-se por uma rota sinalizada, nos seus últimos km, onde ainda temos de cruzar um prado com alguma lama e muitas, muitas vaquinhas.
No regresso à Plataforma de Gredos, trazíamos nas pernas as marcas de dois dias de muito esforço (subida dos dois maiores picos da meseta ibérica!), muitas horas em plena natureza, muita satisfação e a vontade de voltar e descobrir mais desta serra, selvagem, lindíssima.
Refletimos sobre o facto de Gredos ser um local pouco conhecido (das pessoas com quem partilhamos esta nossa aventura, poucos a conheciam e menos lá tinham ido). Ao contrário de outras Serras /montanhas como a Estrela ou os Picos da Europa, não dá para se circular de carro na Serra de Gredos. Fica-se sempre a vários km do maciço central e o Circo de Gredos só se pode vislumbrar ao longe. Assim, para a conhecer – e vale tanto a pena! – é preciso estar disposto a caminhar (ou correr/caminhar, como nós fizemos) por longos km, até atingir o coração de um território que é ainda hoje um magnífico exemplo da natureza no seu maior esplendor.
SUBIDA AO PICO MORÉZON (SIERRA DE GREDOS)
Veja também:
- Ruta del Cares, Picos da Europa
- Rota da Levada, Serra da Lousã