Recordamos a história da atleta Patrícia Silva, filha e neta de grandes nomes do atletismo Nacional, capa da Pro Runners #20.
Foi no Centro de Alto Rendimento do Jamor, na Pista de Atletismo Professor Moniz Pereira, que Patrícia Silva recebeu a Pro Runners Magazine para uma conversa, poucos dias antes de rumar para mais um estágio. Como tudo começou, o que já conquistou e qual o seu maior sonho desportivo, foram algumas das curiosidades que a jovem atleta nos contou sobre si.
A paixão pelo desporto vem de tenra idade, não fosse Patrícia Silva filha e neta de grandes nomes do atletismo nacional. O avô, Carlos Cabral, foi uma referência na década de 80, tendo conquistado diversos títulos na velocidade prolongada, meio-fundo e cross. Já o pai, Rui Silva, afirmou-se como um dos melhores atletas portugueses de sempre nos 1500 e 3000 metros, arrecadando dez medalhas em importantes competições internacionais, incluindo o bronze nos Jogos Olímpicos (JO) de Atenas, em 2004. A mãe, Susana Cabral, também se destacou no meio-fundo e velocidade prolongada, tendo parado de competir quando Patrícia Silva nasceu, sendo agora sua treinadora.
Apesar do histórico familiar no atletismo, a meio-fundista de 23 anos confessa que os pais nunca a motivaram para começar a praticar a modalidade, muito pelo contrário. “Obviamente que o desporto sempre esteve muito presente na minha infância, mas a paixão pelo atletismo não nasceu de ver a minha família competir, até porque já só vi o meu pai no final da carreira. Os meus pais tentaram sempre que eu praticasse outros desportos porque tinham a noção de que o atletismo custa muito”, começou por contar Patrícia Silva.
E assim foi até aos 12 anos de idade. Passou pela natação, pelo ténis, pela ginástica acrobática e de trampolins, mas num dia normal em que acompanhava o pai à pista de atletismo, a vontade de experimentar “dar umas voltas à pista com as outras meninas” foi maior e até hoje nunca mais parou de correr.
“Comecei a treinar a sério, três vezes por semana, no Clube Ateneu Artístico Cartachense. Entretanto esse clube acabou e o meu pai criou a Escola de Atletismo Rui Silva, no Cartaxo, onde vivemos durante alguns anos, e foi lá que treinei até regressarmos para Lisboa. Competi um ano ainda como individual e depois ingressei no Sport Lisboa e Benfica. Mais tarde vesti as cores do Grupo Desportivo do Estreito durante dois anos e na época passada vim para o Sporting”, enumerou a atleta, que segue assim as pisadas dos pais e do avô e representa agora as cores do “seu clube de coração”.
Com cerca de 11 anos de carreira, Patrícia Silva não esconde que a corrida assume uma grande importância na sua vida: “O atletismo é tudo para mim. Quando não posso correr ou quando há alguma coisa que não está bem é algo muito forte para mim. São períodos em que não encontro a minha identidade, porque o atletismo já faz realmente parte daquilo que sou. Neste momento não me imagino sem o atletismo.”
AS PROVAS MAIS ESPECIAIS
É nas distâncias de 800 e 1500 metros que a jovem atleta se tem vindo a destacar. Em 2019, Patrícia Silva obteve o 6.º lugar nos 1500 m no Campeonato da Europa de Sub-23 e em 2022 conquistou a medalha de bronze nos 800 m dos Campeonatos Ibero-americanos.
Em junho deste ano, fixou o seu recorde pessoal dos 800 metros em 2:00.07, com o 3.º lugar no Meeting Ibero-americano, em Huelva e um mês depois sagrou-se Campeã de Portugal nos 800 m em pista coberta.
“Não me esqueço do momento em que consegui atingir este recorde, porque era, e é, uma marca que respeito muito e que via as outras pessoas fazer e ficava extremamente entusiasmada. Treinei o máximo que pude para o alcançar, mas sinto que ainda consigo melhorar. Mas foi mesmo um momento muito feliz, acabar a prova, olhar para o quadro e ver aquela marca foi indescritível. Fui logo abraçar a minha mãe e hoje tenho a fotografia desse momento tatuada no meu braço”, relembrou a atleta lusa, que fez a sua primeira internacionalização em 2016 no Festival Olímpico da Juventude Europeia (FOGE).
ROTINA DE TREINOS E ALIMENTAÇÃO
Patrícia treina duas vezes por dia de segunda a sábado. O domingo, por norma, é o dia de descanso. “Se tiver só um treino no dia, gosto de fazê-lo de manhã. Se for só uma corrida contínua não me importo de o fazer muito cedo, mas se for um treino com mais técnica ou um treino de séries, prefiro fazê-lo mais a meio da manhã. E como preciso de recuperar entre os dois treinos, o da tarde costumo fazer por volta das 17h. No período entre treinos dou muito valor à recuperação, quer seja massagem, quer seja mesmo uma sesta, comer e descansar. Tento estudar às vezes quando não estou demasiado cansada, ou quando não tenho outras coisas para fazer”, contou a meio-fundista que, paralelamente ao atletismo, está a frequentar o terceiro ano da licenciatura em Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana (FMH).
Atualmente conta com a companhia de apenas uma colega nos treinos, mas em tempos já chegou a treinar com um grupo bastante grande, considerando até que “apesar de este ser um desporto individual, leva-se muito melhor quando é feito em grupo.” No entanto, “o que gostava mesmo era ter um grupo que tivesses as mesmas ambições que eu, mas nem sempre é possível. Mas por outro lado, treinar sozinha também é outra maneira de obter foco e terminação.”
No que à alimentação diz respeito, Patrícia é acompanhada por uma nutricionista e segue um plano alimentar que considera que não é “extremamente rígido”, mas sim adequado às suas necessidades enquanto atleta.
“Na verdade, como tudo o que gosto, não tenho nenhuma restrição. Às vezes o problema até é que tenho de comer mais porque o que estou a comer não chega, pois gasto muita energia. Também tenho de ter atenção com a suplementação que me ajuda bastante. Depois de treinos mais fortes, tomar sempre recuperador e durante treinos muito longos tomar bebidas isotónicas. Mas claro que às vezes também como o meu chocolatinho (risos)”, frisou.
SONHO OLÍMPICO
Paris 2024 já não está assim tão distante e que o diga Patrícia Silva, que está a 27 centésimos de marca direta e que continua focada em obter a vaga olímpica.
“Já atingi essa marca o ano passado, mas seguramente que este ano vou trabalhar o dobro porque o objetivo é mesmo representar o nosso país nos JO. De ano para ano os rankings voltam ao zero e basicamente estou a começar de novo, ou seja tenho de fazer cinco provas, podem ser duas de pista coberta e três de ar livre ou todas de ar livre. Por isso o meu principal foco neste momento é tentar entrar nas melhores provas possíveis e tentar obter os melhores pontos possíveis. Antes dos JO ainda se vão realizar os Campeonatos Europeus de Roma’2024 que também são um grande objetivo, até porque é uma competição que dá pontos para o ranking olímpico”, afirmou a oitocentista do sporting.
AS MAIORES RIVAIS
Se é certo que um atleta gosta de evoluir, também é certo que precisa de adversárias à altura para o fazer: “A nível nacional temos algumas atletas muito boas como a Marta Pen ou Salomé Afonso que apesar de se dedicarem mais aos 1500 m, de vez em quando também competem nos 800 m e muito bem. Depois temos algumas atletas mais novas que se começam a evidenciar como a Camila Gomes e a Sofia Duarte. E sinceramente acho que é muito bom irmos para uma prova e sabermos que vamos ter alguma competição, porque é isso que nos faz querer ser mais e melhor. É bom ter provas que se corra rápido, para se conseguir fazer boas marcas.”
E DAQUI A DEZ ANOS?
Perguntámos à jovem atleta onde se via daqui a dez anos e a resposta não foi surpreendente: “Se tudo correr bem irei estar a correr e se não estiver a correr é porque já atingi os meus objetivos, ou então porque já não dá mesmo para correr mais. Gostaria também de já estar formada na área da fisiologia porque quero ajudar outros atletas, não só de atletismo, mas de outras modalidades, a alcançarem os seus objetivos.”
Com apenas 23 anos, Patrícia Silva já faz soar o seu nome pelas pistas nacionais e internacionais e certamente não ficará por aqui, não fosse a paixão tamanha pelo atletismo que a faz querer ir mais longe. É caso para dizer que o futuro do atletismo está em boas mãos.
JUNTOS NA VIDA E NA PISTA
Susana Cabral é treinadora da filha quase desde sempre. Durante a sua carreira de atleta, Patrícia treinou apenas um ano com outro treinador, mas a experiência não correu bem e voltou a ser treinada pela mãe, relação que se mantém até hoje. Mas nem sempre é fácil «separar as águas» quando a confiança vai para lá de atleta/treinadora.
“Em casa tentamos não falar de trabalho e no trabalho tentamos focar-nos somente na parte profissional. Às vezes chocamos um pouco, é normal, mas ter a minha mãe como treinadora também tem coisas positivas, pois é muito bom poder partilhar certos momentos especiais que vou vivendo no atletismo. Ela está sempre comigo”, expressou.
Já o pai Rui Silva nem sempre pode estar presente fisicamente nas provas, pois tem de acompanhar os dois irmãos mais novos (um de 18 e outro de 6 anos) noutros eventos desportivos, mas também é uma peça fundamental na sua carreira.
“Apesar de nunca ter sido meu treinador, acho que a experiência e os conselhos que me dá valem mais do que tudo. Ele já não está ligado ao atletismo, mas gosta de me ver a competir, e penso que o facto de fazer atletismo e estar a sair-me bem também é um motivo de orgulho para ele”, considerou.
“O meu avô também me acompanha, mas mais à distância, pois ele mora no Algarve. Mas quando as provas são próximas da casa dele, tenta sempre ir e gosta muito de falar de comigo sobre atletismo. É mais um bom exemplo que tenho na família”, prosseguiu.
FAST LANE
- Local onde vive: Lisboa
- Comida favorita: Massa à bolonhesa
- Não sai de casa sem: Telemóvel
- Praia ou campo? Praia
- Superstição? Não tenho
- Para si o atletismo é: A minha vida
- Qualidade: Resiliente
- Defeito: Muito crítica comigo própria
- Uma mania: Tirar selfies
- Local preferido para correr: Jamor
- Correr sozinho ou acompanhado? Acompanhada
- Correr com música ou sem música: Com música
- O que come ao pequeno almoço: Papas de aveia
- O que não pode faltar no seu saco de treino: Sapatilhas de bicos
- Maior sonho: Ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos
Fotos: César Santos